sexta-feira, 9 de julho de 2010

A Copa vai terminar empatada

*Francisco Camargo especial para Deluxe em 27/05/2010

A Copa do Mundo 2010, de altíssima tecnologia e muito marketing, continuará amarrada a crendices, superstições e magias. Assim, se assim for, quanto ao campeão é bom ir com calma e consultar o professor Radamés, meu demiurgo de plantão, fã número 1 de Luis da Câmara Cascudo, o mais renomado estudioso do folclore e da etnografia no Brasil.

Ele tem muitas lições. Se elas não ganham jogo, pelo menos garantem um mergulho no “encantamento do passado”, que, de um modo ou de outro, rege o presente e pauta o futuro.

Confessa Cascudo, em Superstições no Brasil (Editora Itatiaia, 1985), que pretendia “saber a história de todas as cousas do campo e da cidade”. Foi buscar, beber, a “convivência dos humildes, sábios, analfabetos, sabedores dos segredos do Mar das Estrelas, dos morros silenciosos. Assombrações. Mistérios”. E jamais abandonou o caminho que leva ao “encantamento do passado”, com pesquisas, indagações e “confidências que hoje não têm preço”. Desvenda o universalismo no regional. Se, na virada do ano,você come uvas brancas e guarda bem guardadinhas sete sementes “para dar sorte e concretizar seus desejos”, isso decorre, com as devidas adaptações do meio, a Perséfona e os 7 bagos da romã. Tem muito mais que veio de muito longe, tempos seminais, jogando alguma luz sobre, por exemplo, o barrete do Saci, a tal pedra na cruz (atirar, e não colocar pedra sobre a cruz, é pecado mais do que venial), as razões para não olhar para trás, a vassoura postada atrás da porta para apressar a despedida do visitante incômodo ou indesejável. O popular “mala” dos nossos dias. Já nos tempos do antanho dos romanos, a scope (a vassoura lá deles) espantava faunos e silvanos, “o terror das crianças”. Devagar, porém, pois “vassoura deitada é desgraça chamada”. Já a nossa prosaica ferradura - sobre ou afixada na porta de casas e fazendas do interior - garante sorte. Acreditando nisso, mesmo em pleno oceano, o almirante Horatio Nelson (1758-1805) mandou cravar uma ferradura no mastro real do Victory.

Em seus livros (são três reunidos em Superstição no Brasil), Cascudo “expõe a vastidão e profundeza do mundo que acreditamos existir e é contemporâneo com o outro onde nasceu Adão”. O critério que adotou não é o do puro registro, mas tentativa de elucidação das origens. Conclui o mestre potiguar: como “o replantio não altera a seiva, o processo modificador substituirá pela enxertia a primitiva organização conceitual, facilitando as sucessivas convicções complementares e provisórias que se tornam básicas”.


Daí, com esse fantástico pano de fundo, reforçado pela África do Sul, suas lendas, legendas e estrelas, como Nelson Mandela, mandinga para ganhar jogo não seria apenas um privilégio brasileiro por ser ele, brasileiro, o único proprietário das receitas. Caso o Sobrenatural de Almeida seja invocado e funcione, funcionará para todos os lados, igualmente, e aí vai dar empate. Basta ver que, na chuteira de um argentino, está lá, gravado, “Messi – 19 La mano de Dios”.


Dependemos, pois, dos gritos de Dunga e do esforço terreno dos jogadores para concretizar o sonho do hexa. O que já é outra história. No tapetão do além e sortilégios, estamos todos, pela seiva, humanamente empatados.

O que não impede a sugestão do professor Radamés: em dia de jogo da Canarinha não custa fazer figa e trocar o i-pod por um singelo galhinho de arruda na orelha para espantar las bruxas, evitando-se, também, tropeçar na soleira da porta – “um mau agouro temível”.

Bruxas?
Cascudo admite: “Tudo tem sua lógica incomunicável e evidente. Pero que las hay, las hay...”

*Francisco Camargo é jornalista

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