quarta-feira, 9 de junho de 2010

A Copa é Pop - África do Sul

Cassiano Fagundes especial para Deluxe


Nossa viagem pela música pop dos países da Copa 2010 começa pela anfitriã, a África do Sul. Em uma nação com 11 línguas oficiais, é de se esperar uma babilônia de expressões culturais e artísticas que se misturam na historicamente irrequieta ponta do continente.

Para quem gosta de música, a riqueza do país é grande e estonteante. Não importa se você vai assistir aos jogos pela televisão ou se será um dos privilegiados a visitar o país durante o evento maior do futebol: será tudo mais emocionante depois de conhecer os sons que embalam um lugar que tem encantado as pessoas desde a idade da pedra.

Longa história musical

A música sul africana popular nasceu do encontro de culturas bem distintas. De um lado, uma tradição de harmonias vocais que remonta há milênios, e que é uma das faces mais conhecidas do país, com grupos com sucesso internacional como Ladysmith Black Mambazo:



Do outro, o jazz sul africano, que começou com a influência do ragtime e do swing americano. Os músicos incorporaram a eles tradições musicais nativas, e assim apareceu o marabi, ou jazz local. A cantora Miriam Makeba ficou famosa por ser a voz africana desse estilo originalmente norte-americano. O trompetista Hugh Masekela conquistou sucesso internacional levando o jazz africano para os Estados Unidos. E Dollar Brand, que se converteu ao islamismo e mudou o nome para Abdullah Ibrahim, tornou-se um dos maiores jazzistas do continente.



Os zulus trouxeram o Isicathamiya, estilo baseado em harmonias vocais bem trabalhadas, que se misturou com a música religiosa trazida pelos missionários cristãos no século 19 e deu origem ao gospel sul africano, a primeira forma popular de música nacional. Nos anos 30, as tradições vocais fariam nascer um tipo de a capella original, que se espalhou da região de Natal para o resto do país. Os coros de vozes sul africanos estão entre as formas musicais mais belas que existem.
Todos os sábados, em Johanesburgo, trabalhadores migrantes zulus competem com seus corais de Isicathamiya em um albergue da cidade. Eles incorporam elementos da cultura afro-americana e dos crooners, em sua música tradicional.

 

A partir do fim da Primeira Guerra Mundial, os africâneres, brancos de origem holandesa, também começaram a popularizar sua música, com influências europeias e tocada com concertinas e acordeões, com elementos de música country, zydeco e alemã.

 

Nascimento do pop sul africano

Nos anos 50, como parte de um esforço para encorajar a independência dos nativos bantos, o governo sul africano investiu na Rádio Banto. Sua ideia inicial era que a programação fosse feita de música tradicional negra, mas o país já estava cheio de astros da música popular, e ela naturalmente começou a tocar, e também a ser censurada pelo regime da apartheid.

Na mesma época, o primeiro grande fenômeno pop sul africano veio ao mundo: o pennywhistle jive, também conhecido como kwela. O estilo baseado em flautas, originário da música dos vaqueiros negros e com as estruturas do jazz e do marabi, era tocado por grupos de músicos que se apresentavam nas áreas brancas de Johanesburgo, que muitas vezes eram presos por isso. Os jovens brancos mais rebeldes adotaram o kwela, e o artista Spokes Mashiyane popularizou o estilo com o hit ‘Ace Blues’, e Black Mambazo, com ‘Tom Hark’, canção muito regravada.


Ainda na década de 50, os estilos vocais, o marabi e o kwela se combinaram para formar o mbaqanga. As Mahotella Queens o sintetizam bem:

 

A música e o apartheid

A grande ebulição cultural dos primeiros momentos da música pop sul africana aconteceu justamente quando o Partido Nacional, que governava o país, adotou medidas para separar mais ainda os brancos dos negros. Os músicos nativos tentavam driblar a proibição de permanência nas áreas dos bares de jazz marabi depois das oito da noite, e passavam toda a madrugada tocando, em jam sessions. Isso acabou sendo benéfico para a cena.

Apartheid significava separação total entre os descendentes de europeus e os povos africanos: trens, restaurantes para cada etnia, e segregação total. Os negros tinham que andar com passaportes para não serem presos, e todos os cidadãos eram classificados em três raças. Em 1962, Nelson Mandela, que fazia parte da resistência contra o regime, foi preso. O clima favoreceu o sucesso da soul music americana e a disseminação do engajamento contra o apartheid.

O rock

A proximidade cultural da África branca com a Europa, principalmente com o Reino Unido, fizeram com que o rock chegasse bem cedo no país. Mas, assim como outros estilos, ele sofreu censuras e perseguições. Mesmo assim, algumas bandas se destacaram, como Rabbitt, da qual fazia parte Trevor Rabin, que mais tarde seria o líder de um dos bastiões do rock progressivo britânico, o Yes, entre 1983 e 1994. Trevor também tocou no Freedom’s Children, grupo que nos anos 60 e 70 desafiou a apartheid e o racismo com seu rock psicodélico. A banda tentou uma carreira em Londres, mas a política britânica contra o regime sul africano fez com que o Freedom’s Children não conseguisse visto de trabalho para tocar no Reino Unido.

 

No final dos anos 70 e começo dos 80, a urgência do punk rock caiu como uma bomba na África do Sul, atingindo os jovens brancos insatisfeitos com a apartheid em cheio. A cidade de Durban virou o epicentro de uma cena da qual faziam parte Powerage e Wild Youth.

 

Dessa mesma leva, veio Johnny Clegg, conhecido como ‘O Zulu Branco’, queseria um dos primeiros artistas brancos a desafiarem o governo com uma banda bi racial, a Juluka. Ele fez muito sucesso no mundo inteiro, mesclando o rock ocidental à tradição zulu.

 

Paul Simon e Graceland


O músico americano Paul Simon prestou um grande serviço à música da África do Sul ao gravar o disco Graceland em 1986 com diversos artistas, entre eles, o grupo Ladysmith Black Mambazo. A gravação não só impulsionou uma carreira internacional muito bem-sucedida do grupo vocal, como abriu as portas para vários outros artistas sul africanos. Na época, alguns acusaram Simon de furar o bloqueio internacional contra o governo do apartheid, mas a ONU o aplaudiu, dizendo que ele promovia talentos negros do país e não oferecia nenhum apoio ao regime. Nos shows internacionais, os exilados Miriam Makeba e Hugh Masekela subiram ao palco para se apresentarem ao lado do americano.


 

O reggae toma o país

Em 1980, Bob Marley foi convidado a tocar na festa de independência do país vizinho, o Zimbábue. Sua passagem pelo continente marcou uma nova era na música do país, com artistas como Lucky Dube popularizando o reggae em sua fonte primordial, a África.



O pop bubblegum

Enquanto Madonna escrevia a história do pop no mundo todo, nos anos 80, uma música pop eletrônica com muitos teclados e vocais tomou as paradas sul africanas. Aparentemente inofensivo, o estilo bubblegum muitas vezes trazia mensagens políticas, como na canção “We Miss You Manelo”, de Chicco, uma mensagem velada a Nelson Mandela, preso desde os anos 60. A excentricidade de Brenda Fassie também marcou a época.




África do Sul pós-apartheid
Com o fim do regime e a libertação de Nelson Mandela, a música pop sul africana ficou livre das rédeas da censura para experimentar e se expandir. O país viu a explosão do kwaito – o hip hop sul africano de Boom Shaka do ragga, do tecno e do rock alternativo cantado em inglês e na língua africâner.

Recentemente, estilos tradicionais voltaram a gozar de popularidade nas vozes de artistas como Simphiwe Dana e Shwi Nomtekhala, e a música africâner se livrou do complexo de culpa por ter sido uma expressão cultural associada aos opressores do apartheid para se tornar mais um elemento no rico mosaico musical da África do Sul do século 21.

Hoje, o país recebe turnês de artistas internacionais, exporta música para o mundo todo e promove festivais como o Oppikoppi. A Cidade do Cabo se tornou um pólo do rock independente e do underground, enquanto Bloemfontein, é famosa por sua cena heavy metal. A banda de rock The Parlotones é de Johanesburgo, e tocará na cerimônia oficial de abertura da Copa 2010 em Soweto, no dia de 10 de junho. Ela dividirá o palco com Black Eyed Peas, Alicia Keys, Shakira e outros.

 


Os independentes BLK JKS trazem um som original, muito elogiado pela crítica americana e europeia.

 

A África do Sul é POP
Um país rico em culturas populares e tradicionais que não param de se misturar. Uma terra que ainda sofre com a má distribuição de renda e a violência, sequelas das décadas sob o domínio de um regime autoritário,. Um povo disposto a encarar o futuro com o peito aberto. As semelhanças com o Brasil não param por aí, e as diferenças são fascinantes.

 Aproveite a Copa para conhecer a África do Sul através de sua música vibrante e de suas diversas cores.

  

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