quinta-feira, 12 de novembro de 2009

A última sessão de cinema


Sandro Moser

Mereceu um rodapé no local menos nobre do caderno de cultura. A ultima sessão de cinema do ultimo cinema de rua de Curitiba. Não um cinema, não uma rua qualquer. O histórico Cine Luz da XV. Fechou as portas em 11 de novembro.

Como já acontecera paulatina e silenciosamente - sem foguete, retrato e bilhete - com o Plaza, o Ritz, o Astor, os Lidos, com o Groff... Com tantos outros em tantas outras cidades do Brasil e do mundo. Eu observei parado, calado, quieto.

O fato é que nós perdemos as ruas. As ruas acabaram. Mas quem quer andar nas ruas? Quem quer entra no cinema no fim da tarde e sair já à noite e andar até o café mais próximo para passar horas comentando o último filme coreano?

Para Nelson Rodrigues o espectador padrão de um bom filme era o punguista. O sujeito que batia uma carteira na praça e entrava no primeiro cinema aberto para desbaratinar a polícia. Se o lanceiro gostasse do filme é porque era bom mesmo.

Hoje já não existem batedores de carteira. O descuidismo foi substituído pela porrada. Nem os cinemas abertos na calçada (exceção dos “adultos” que resistem bravamente e com seus motivos). Cinemas agora são systems, tem namming rights.

Uma das justificativas do fechamento é que a escadaria e o pequeno hall da entrada da bilheteria (onde tantas vezes eu esperei o amor chegar) tinham virado um ponto de desabrigados que usavam o granito como banheiro e refúgio para fumar crack. Eles venceram, mais uma vez. Eles têm vencido todas. O crack vai continuar perambulando pela rua XV. O cinema não.

Nunca mais Fellini
nunca mais cinema
nunca mais Drink no inferno
nunca mais Lee
nunca esta espelunca
na Rua XV nunca
nunca mais Luz

Nem Bogart, nem casais de namorados, nem aposentados. Diziam que as cadeiras tinham cheiro de mofo. Que era um cine poeira. Era sim. E tinha vários cartazes de pornochanchadas nas paredes, uma gerencia mau humorada, problemas no som e um monte de defeitos. Dizem que ele renascerá assim como a rua Riachuelo. Pode ser, pode não ser. Ninguém tá nem aí.

Como eu comemorei? Deixei escapar uma (e tão somente uma, pois o homem não pode se permitir mais do que isso) furtiva lágrima. E fui no café discutir durante horas o último (este sim “último”, filme romeno). A certeza de que a vida, tal como a conhecemos, não existe mais. Talvez os cinemas sejam como os homens. Precisem morrer para tentar renascer.

2 comentários:

Getulio Guerra disse...

comentei lá hoje sobre isso: www.twitter.com/PrasBandas

Edson Paulo de Carvalho Junior disse...

Eu estive na última sessão também e me surpreendi em não ver quase ninguém. Achamos que veríamos algum tipo de protesto ou que pelo menos lotasse a sala, mas nada. Será eu que sou nostalgico demais?