Rodrigo Wolff Apolloni
Há muito tempo, conversando com um bom amigo hare krishna, ouvi uma história bem bacana, originária da tradição hindu. Segundo ele, no passado mais remoto a humanidade podia criar qualquer coisa, bastando, para tanto, pensar no objeto desejado. Até que, um belo dia, apareceu um asura (um demônio) cheio de truques. Chegou junto aos homens e mulheres e, como um prestidigitador, produziu uma flor; em seguida, um carrinho, depois um cavalo, uma muralha e assim por diante.
Intrigados e maravilhados, os humanos resolveram fazer o mesmo, colocando sua atenção e inteligência naqueles requintados jogos de criação. Não sabiam, porém, que a cada obra nova, a cada invenção nascida da soma entre inteligência e habilidade técnica, perdiam a capacidade de produzir coisas apenas com o pensamento – que perdiam, enfim, o poder de se integrar ao universo. Até que, em determinado momento, esqueceram por completo como materializar coisas pelo sutil pensamento, ficando reféns de sua própria engenhosidade.
Intrigados e maravilhados, os humanos resolveram fazer o mesmo, colocando sua atenção e inteligência naqueles requintados jogos de criação. Não sabiam, porém, que a cada obra nova, a cada invenção nascida da soma entre inteligência e habilidade técnica, perdiam a capacidade de produzir coisas apenas com o pensamento – que perdiam, enfim, o poder de se integrar ao universo. Até que, em determinado momento, esqueceram por completo como materializar coisas pelo sutil pensamento, ficando reféns de sua própria engenhosidade.
Por que, ó raios, lembrei dessa história? Por um motivo prosaico: há algumas semanas, minha esposa comprou um celular magnífico, desses cheios de truques, com GPS, tradutores, identificadores de músicas e outras bossas. Que não assombram pessoas ligadas à tecnologia, mas que me deixam de queixo caído. Pois certo domingo, quando íamos almoçar, ela ligou o aparelho e disse “Restaurante xxxx”, sendo prontamente atendida por uma voz feminina que disse algo como “a 300 metros, vire à esquerda”. Fui escutando e, lá pelas tantas, diante de alguma insistência (“vire... vire... vire”), estava até respondendo (“Tô virando, tô virando!”), quando me dei conta do absurdo da situação. Não só do representado pelo esdrúxulo diálogo, mas pelo receio de que, no futuro, conquistemos nossa própria obsolescência.
Talvez tudo isso soe e seja obscurantismo, algo que percebo diante, por exemplo, do incrível uso que meu sogro, um venerável senhor nipônico, faz de toda a parafernália eletrônica. Como nas séries de exercícios e sessões de Yoga (suprema ironia) coordenadas por uma plataforma eletrônica de jogos.
Publicado originalmente na Gazeta do Povo em 13 de dezembro de 2011